quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Ser sozinho e estar sozinho

(Ignorem a falta de pontuação, estou em um notebook gringo que tem o teclado todo l0k0)

solidão
substantivo feminino
  1. 1.
    estado de quem se acha ou se sente desacompanhado ou só; isolamento.
    "vive na mais negra s."
  2. 2.
    caráter dos locais ermos, solitários.
    "em meio à s. do deserto"
  3. 3.
    local despovoado e solitário; retiro.
  4. 4.
    vasto espaço ermo, sem população humana.
    "s. do mar, da taiga, da floresta etc."
  5. 5.
    sensação ou situação de quem vive afastado do mundo ou isolado em meio a um grupo social.
    "quanto mais gente, maior a sua s."

https://www.google.com.br/webhp?sourceid=chrome-instant&ion=1&espv=2&ie=UTF-8#q=solid%C3%A3o+significado

Solitude Estado de privacidade de uma pessoa, não significando, propriamente, estado de solidãoPode representar o isolamento e a reclusão, voluntários ou impostos, porém não diretamente associados a sofrimento.https://pt.wikipedia.org/wiki/Solitude
Olho pro meu quarto, milhares de coisas coladas nas paredes, o chão cheio de tenis, os livros espalhados... eu nao me sinto bem aqui. É meu único espaço de descanso e nem ao menos meu colchão comporta meu corpo inquieto; amassa o lado esquerdo e deixa o direito super alto. Nao me sinto parte desse mundo, como se o mundo de fato fosse apenas esse bioma cultural que nao consigo deixar de frequentar, as mesmas caras que fingem que nao me conhecem e quando bem entendem decidem me cumprimentar; eu nao consigo ser assim. O mundo é essa imensidão que angustia meu coração cada vez que dou um passo na avenida, é o domingo tedioso que me faz acordar 6 horas da manha com vontade de mijar e que nao me deixa mais dormir, como se quisesse me obrigar a sentir a nostalgia de tantos outros domingos que começaram dessa forma. 

Solitude © Maia Stefana Oprea
Quanto mais reparo nas convenções sociais que seguimos, mais tenho vontade de me afastar delas. E nao estou falando isso de uma maneira que pareça maneiro ser solitário (porque ser depressivo solitário que curte uns filme cult tá na moda), porra, eu nao gosto de ser assim! Sempre quis ser parte dos bondinhos "descolados" na escola (mesmo achando a maiora meio otário), uma busca imensa por aceitação em uma época da vida em que você está tao fragilizada pelos estereotipos da mídia que nao acha útil ser você mesma, agir como você mesma; sempre quis ser aquelas minas que estão constantemente conversando com alguém no role, mas só consigo ser aquela que fecha os olhos, dança e se incomoda com silencios chatos porque sabe que nao tem nada de interessante para dizer. E, a partir do momento que os silencios passam a ser constrangedores, tudo é desesperador. 
Admito, gosto de solitude. Gosto de ter a autonomia de ir onde eu quiser, quando eu quiser, sem depender de alguém para ir comigo, meter o loco e ir queimar um sozinha no bowl, ver os moleque fazendo carvin', enfim... mas nao é legal querer ficar numa banca e nao conseguir, é como uma coceira que nao para, cada palavra que sai da boca das pessoas é um martelo que diz "que que você ta fazendo no meio desses babacas? vaza jao!". 
O problema é comigo? Ou é com essas pessoas, os roles, os espaços culturais? Até que ponto o gostar de ficar sozinha se mistura com o nao gostar de muita gente por perto?

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Ela tem que cuidar do próprio corpo

Amigues, antes de começar a ler o texto, recomendo que deem play no vídeo abaixo, a experiência de leitura será mais completa. Aproveitem!
Foi num churrasco com amigues da escola, uns moleques aleatórios e ninguém muito próximo realmente. Tinha muita vodka, um mano não para de oferecer Whisky; ela aceitou. "Vamos fumar um beck?" Ela foi. Tudo ia bem, até que uma hora ela perdeu o controle, já não estava dentro de si, não julgava mais quais eram as ações racionais dela, dando espaço a uma outra parte do cérebro responsável pelo "modo automático" e algumas coisas reprimidas no subconsciente. Era o dia do aniversário de um parceiro, ela sabia faz tempo desse rolê mas não pretendia ir, ela só queria ficar sussa deopis do churrasco e ir pra casa. Flashbacks. Chegando na festa. Cumprimentando alguns amigos, um primo. A cara de um moleque. A cara de outro moleque. Um sorriso bem branco. A pele bem preta. Um portão. Uma rua conhecida. E acordou em casa. Fedendo a cachaça, a cara inchada, cadê a bolsa? Não sabia o que tinha acontecido. Olhou no Facebook e umas mensagens. Era o moleque da festa. "Você falou várias bosta pra mim, tava locona." "Quando vamos dar uns beijo de novo?" A vergonha tomou conta de seu corpo, um fogo descia da cabeça até suas partes íntimas, o medo de ter sido violada dava ânsia de vômito. O que pensaria seu namorado? Ela estava com raiva nesse dia, ele deixou ela na mão, ela só queria esquecer a briga, não deve ter acontecido nada. "Ae, mas você lembra de tudo né? Chupei a buceta mesmo kkkk". Será quer tinha sido só ele? Ela estava com a imagem de outro mano na cabeça. "Cê tava quase transando com o fulaninho na rua, fiquei puto contigo". Confirmou as ideias. Ela não sabia o que fazer. Será que tinha foto? Vídeo? Será que o moleque é da quebrada? "Se ficar locona daquele jeito eu to nem vendo, vou debulhar mesmo". O nojo do seu próprio corpo, a raiva por não lembrar de nada e o desejo de desaparecer nunca havia sido tão grande (mesmo ela sempre querendo sumir). Se sentiu culpada, se sentiu uma puta, se sentiu aquela mina que ela zoou na 7ª série por ter feito um vídeo num rolê e o mesmo ter vazado, se sentiu um lixo, se sentiu o tipo de gente que ela sempre julgou. Ficou se perguntando porquê e como não parou de beber até ficar daquele jeito, se perguntou também porquê os amigos dela viram ela daquele jeito e não fizeram nada. Bloqueou todos nas redes sociais, não passou mais na praça, não foi mais pra escola, estava com medo de ser reconhecida, apontada.
Um mês se passou. A culpa amenizou (um pouco). Foi num barzinho com uns amigues e ele estava lá. A encarou com um sorrisinho. Disse algo para os amigos. A vergonha tomou conta dela. O fogo da frustração e a vontade de sumir esmagavam a mente dela como uma enxaqueca fulminante. "Preciso ir embora agora, sério, não dá mais pra ficar". Saiu com a cabeça baixa, a respiração ofegante.
Ela nunca quis saber o que aconteceu naquela noite. Ela não quis perguntar para os amigos. Ela não quis saber do suposto vídeo. Ela não quis saber se os manos falaram/falam dela. Ela quis esquecer. Ela quis esquecer que um dia foi estuprada mas todo mundo, antes mesmo de saber do caso dela, já comentava sobre outras garotas dizendo "Quem manda ficar tão louca? tem que cuidar do próprio corpo".
Até hoje ela tem medo de ser reconhecida. Ela finge que nada aconteceu. Ela tem medo de beber. Ela tem medo de festas na quebrada. Ela tem medo de um dia morrer e as imagens daquela noite voltarem à tona. Ela tem medo. Ela tem nojo. Ela tem nojo de si.



Não romantizem um estupro. Diga não à essa cultura.


sexta-feira, 28 de outubro de 2016

EU SEI ONDE ESTOU!

Sempre morei no mesmo bairro, Jardim São Luis. Minha mãe sempre teve medo de tudo, dizendo pra eu falar baixo na rua se não o PCC ia aparecer e meter bala em geral (bem mórbido eu diria). Brincava muito na rua com meu "primo-irmão', jogava bola, andava de patinete - jogava não né, porque sempre me deixavam de esquenta banquinho. Gostava muito de ir aos sábados pra escola onde aconteciam diversas oficinas do "Escola da Família", direto me esqueciam lá e eu tinha medo de voltar sozinha. Detalhe: a escola é na rua da minha casa. Nunca passou disso. Não conhecia meu bairro, só os lugares pelos quais a perua escolar passava e os que minha vovó me levava. Fui crescendo e isso foi me frustrando, eu sempre soube que tinha mais para explorar; as vezes com meu ex-namoradinho ou colegas passávamos pelo o CEU Casa Blanca ou o bowl do Arariba e eu ficava encantada com a atmosfera que circundava esses locais, como se quando eu andasse por essas ruas até a cor e o cheiro do dia mudassem. Um escadão apenas, é o que bastava para eu conhecer um outro mundo chamado Monte Azul.
Uma vez o tio da perua levou a gente no Mc Donald's da Estrada de Itapecerica e fez um caminho muito doido, perguntando se eu sabia onde estava; eu disse que não, então ele respondeu "essas são as costas do seu bairro!!!". Vocês não imaginam a curiosidade que eu fiquei, a vontade de sair andando e me perder para depois sozinha conseguir me encontrar e poder dizer com orgulho para mim mesma SIM, EU SEI ONDE ESTOU. Digitava "CEU Casablanca" no Google Maps e tentava entender a rota de maneira que eu fizesse o caminho mais longo possível e que utilizasse o escadão que eu tanto almejava subir. Não dava certo. O Street View é um cocôzinho que não deixa subir escadão. Ferrou! Teria que realmente me perder para me encontrar. 
Foi depois de conhecer um moleque do Monte que eu me apaixonei de vez por essa quebrada. Ele me ensinou todos os atalhos, abriu meus caminhos e me fez ter gosto em subir aquele escadão praticamente todos os dias; entendi todas aquelas voltas que o tio da perua fez e os labirintos que o Google Maps me fez dar virtualmente. Depois conheci a favela, um lugarzinho mágico no qual eu já havia passado algumas vezes para voltar do role mas nunca havia sentido seu cheiro, entendido seus reflexos e cores. Aprendi a amar até a arquibancada que o sol insiste em dar um abraço caloroso ao meio dia, abraço esse que eu amo se sentir de proposito e ficar nele mesmo tento uma monte de coisas para fazer do lado de fora desse mundinho. É muito doido como o olho guarda esses detalhes, parece uma câmera fotográfica, e não só os olhos, o corpo todo armazena as percepções de determinada ocasião em um arquivo que volta a tona sempre que você está em tal localização. E lá eu lembro de reggae, lembro do moleque dos lábios de mel que beija devagarinho, lembro de quermesse que terminou em beck morgado e soneca no sofazinho, lembro do dia que entrei no curso de Corte e Costura na Associação Monte Azul, lembro de mim sendo feliz por estar ali e tendo que passar lá todos os dias; não por diversão e vontade de se perder e se encontrar, mas por ter coisas para fazer nesse lugar! Me sinto plena de felicidade ao poder dizer em qualquer lugar desse bairro "SIM, EU SEI ONDE ESTOU!", e mesmo quando tenho vontade grande de me perder, fecho os olhos da consciência e abro os do coração, chegando a lugares que me fazem bem e me fazem sentir parte da história da quebrada que não me viu crescer mas agora me vê e me aceita do jeitinho que eu sou, perdida, achada, solitária e curiosa.

Foto: José Cícero da Silva