Sempre morei no mesmo bairro, Jardim São Luis. Minha mãe sempre teve medo de tudo, dizendo pra eu falar baixo na rua se não o PCC ia aparecer e meter bala em geral (bem mórbido eu diria). Brincava muito na rua com meu "primo-irmão', jogava bola, andava de patinete - jogava não né, porque sempre me deixavam de esquenta banquinho. Gostava muito de ir aos sábados pra escola onde aconteciam diversas oficinas do "Escola da Família", direto me esqueciam lá e eu tinha medo de voltar sozinha. Detalhe: a escola é na rua da minha casa. Nunca passou disso. Não conhecia meu bairro, só os lugares pelos quais a perua escolar passava e os que minha vovó me levava. Fui crescendo e isso foi me frustrando, eu sempre soube que tinha mais para explorar; as vezes com meu ex-namoradinho ou colegas passávamos pelo o CEU Casa Blanca ou o bowl do Arariba e eu ficava encantada com a atmosfera que circundava esses locais, como se quando eu andasse por essas ruas até a cor e o cheiro do dia mudassem. Um escadão apenas, é o que bastava para eu conhecer um outro mundo chamado Monte Azul.
Uma vez o tio da perua levou a gente no Mc Donald's da Estrada de Itapecerica e fez um caminho muito doido, perguntando se eu sabia onde estava; eu disse que não, então ele respondeu "essas são as costas do seu bairro!!!". Vocês não imaginam a curiosidade que eu fiquei, a vontade de sair andando e me perder para depois sozinha conseguir me encontrar e poder dizer com orgulho para mim mesma SIM, EU SEI ONDE ESTOU. Digitava "CEU Casablanca" no Google Maps e tentava entender a rota de maneira que eu fizesse o caminho mais longo possível e que utilizasse o escadão que eu tanto almejava subir. Não dava certo. O Street View é um cocôzinho que não deixa subir escadão. Ferrou! Teria que realmente me perder para me encontrar.
Foi depois de conhecer um moleque do Monte que eu me apaixonei de vez por essa quebrada. Ele me ensinou todos os atalhos, abriu meus caminhos e me fez ter gosto em subir aquele escadão praticamente todos os dias; entendi todas aquelas voltas que o tio da perua fez e os labirintos que o Google Maps me fez dar virtualmente. Depois conheci a favela, um lugarzinho mágico no qual eu já havia passado algumas vezes para voltar do role mas nunca havia sentido seu cheiro, entendido seus reflexos e cores. Aprendi a amar até a arquibancada que o sol insiste em dar um abraço caloroso ao meio dia, abraço esse que eu amo se sentir de proposito e ficar nele mesmo tento uma monte de coisas para fazer do lado de fora desse mundinho. É muito doido como o olho guarda esses detalhes, parece uma câmera fotográfica, e não só os olhos, o corpo todo armazena as percepções de determinada ocasião em um arquivo que volta a tona sempre que você está em tal localização. E lá eu lembro de reggae, lembro do moleque dos lábios de mel que beija devagarinho, lembro de quermesse que terminou em beck morgado e soneca no sofazinho, lembro do dia que entrei no curso de Corte e Costura na Associação Monte Azul, lembro de mim sendo feliz por estar ali e tendo que passar lá todos os dias; não por diversão e vontade de se perder e se encontrar, mas por ter coisas para fazer nesse lugar! Me sinto plena de felicidade ao poder dizer em qualquer lugar desse bairro "SIM, EU SEI ONDE ESTOU!", e mesmo quando tenho vontade grande de me perder, fecho os olhos da consciência e abro os do coração, chegando a lugares que me fazem bem e me fazem sentir parte da história da quebrada que não me viu crescer mas agora me vê e me aceita do jeitinho que eu sou, perdida, achada, solitária e curiosa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário